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IRAQUE - 20 anos após a invasão dos EUA - FORUM FAAP

Até que ponto pode-se perceber os impactos da invasão Estadunidense no Iraque 20 anos após o ocorrido? Faça um texto focalizando na situação atual que o Iraque vive.

Os marcos irreversíveis da invasão estadunidense no Iraque:
20 anos depois e as cicatrizes que ainda consomem o país 

A invasão do Iraque feita pelos Estados Unidos e com colaboração do Reino Unido ocorreu em março de 2003. Após 20 anos do ocorrido, ainda é possível detectar os impactos de tal invasão no país, no qual encara grande crise econômica e instabilidade política. Para poder avaliar os impactos da invasão estadunidense, pretende-se comparar a situação socioeconômica do Iraque antes, durante e 20 anos após a invasão. 

Antes da invasão

Anteriormente à invasão estadunidense no Iraque, o país funcionava sob um regime ditatorial. Seu líder era Saddam Hussein, homem cujo governou o país durante 24 anos. No período de 1970 a 1980, Hussein fez o país crescer e prosperar economicamente (1), mas no final dos anos 80 ao início dos anos 90, começou a agir em ordem de alcançar mais poder a favor de si próprio, e menos em prol da sociedade. Dessa forma, a população iraquiana vivia sob ordens de um líder extremamente autoritário, que optava pela coerção, repressão, e pela prática do medo como forma de fazer o povo obedecer às leis. 

Durante a invasão 

Em poucas semanas após a invasão, os Estados Unidos havia derrubado o regime de Saddam Hussein, e de certo modo, o povo iraquiano viu essa derrota, como uma nova chance de liberdade para o país. A problemática se inicia quando a população se dá conta do nível baixíssimo de qualidade do planejamento que os Estados Unidos, havia preparado para a política do país, após a remoção de Saddam do poder. Com intuito de criar um governo de transição para Iraque (2), o país cria o CPA (Coalition Provisional Authority) traduzido do inglês como Autoridade Provisória da Coalizão, onde Paul Bremer toma duas decisões, sendo a primeira ação demitir os membros do governo iraquiano que estava conectado com Hussein, processo chamado de Desbaathificação. Esse processo deixou centenas de funcionários do governo desempregados, assim como a segunda ação do CPA direcionada por Bremer, que tinha como intuito desagrupar o exército do Iraque, deixando cerca de 100.000 (dado que acopla os funcionários do governo e os militares) iraquianos desempregados, insatisfeitos e armados. O novo modelo político contava, também, com a divisão do poder entre os maiores grupos demográficos do Iraque: Xiita (64-69%); Sunitas (29-34%) e os Curdos (15-20%). Esse modelo fez com que o país fosse moldado com falhas em seu planejamento, causando espaço para corrupção, impedindo uma governança efetiva e levando a política iraquiana para caminhos conturbados.

Após a invasão

A falta de segurança do Iraque - milícias e grupos terroristas 
Um dos problemas que a população do Iraque encara em 2023 é a falta de segurança do país, causada pelo poder que as milícias do Iraque têm sob o governo, e seus ataques aos civis. Desse modo, a política do país demonstra uma grande rede de figuras políticas e milícias, provocando combates entre si e entre a população por dinheiro e influência governamental e populacional. 

ISIL (nomenclatura conhecida pela ONU como Estado Islâmico do Iraque e do Levante) ou Estado Islâmico (ISIS, IS ou EI) (3) é um grupo extremista originado do Al-Qaeda (4), grupo na qual teve sua ascensão em 2003, durante a invasão dos Estados Unidos. O EI é uma organização militante (5) “Salafi-Jihadist” ou jihadista que opera principalmente no Iraque e na Síria, que visa estabelecer um califado islâmico em ambos os países. A organização foi considerada terrorista em 2014, quando foram divulgadas imagens e vídeos de suas brutas execuções e decapitações de reféns como jornalistas americanos, voluntários humanitários britânicos e até mesmo membros da organização considerados traidores (6), além de tomarem cidades como Mossul e Tikrit, barragens hidrelétricas, refinarias de petróleo e fronteiras estratégicas com a Síria. Apesar de em 2017 o Estado Islâmico ter sido considerado derrotado pelo exército do Iraque, a sua presença atual no país ainda deixa resquícios de terrorismo, por exemplo, dezenas de soldados iraquianos foram feridos do final de 2022 até o início de 2023.

Moqtada al-Sadr é um político iraquiano e líder de milícias que ganhou reconhecimento durante a invasão estadunidense no Iraque por seu discurso anti-Americano, sua oposição ao al-Qaeda e o ISIS (ISIL) e por ser contra a população sunita do país. Durante a invasão, Moqtada al-Sadr liderou milícias focadas em atacar o exército americano e a Força Multinacional no Iraque, como, por exemplo, o “Exército Mahdi”. Durante 2011 a 2020, Sadr contribuiu de diversas formas controversas para a política do Iraque, retirando repetidas vezes o seu apoio ao governo iraquiano e se juntando a diversas milícias xiitas. Em seguida, nas eleições de 2021, a sexta eleição desde a queda do governo de Saddam Hussein, o partido de Sadr ganhou com a maioria dos votos (70 cadeiras no parlamento). O político ganhou com a promessa de um governo nacionalista, de derrubar a corrupção e impedir a influência estrangeira no governo, principalmente do Irã e Estados Unidos. Apesar de manter algumas de suas relações com as milícias xiitas, Sadr também prometeu a regulação do estado sob seus movimentos e seus armamentos. Em 2022, o seu governo foi provado como não efetivo, justificado pela dificuldade do seu partido (Movimento Sadrista), de tomar decisões, uma vez que o parlamento presencia movimentos opositores suficientes para impedir decisões de tribunais federais como a eleição de um presidente e um primeiro-ministro. Sadr levou seus apoiadores xiitas para as ruas, provocando protestos em prol de agitar tais decisões. Esse impasse marcou uma das maiores crises do país em anos, e sendo assim, no final de 2022, Moqtada al-Sadr abandonou a política novamente, deixando-a de forma conturbada. (7)

A elite e sua má gestão 
Retomando o conceito da divisão entre os maiores grupos demográficos do país, e o aumento da corrupção gerada por essa decisão estadunidense explicado anteriormente, é possível refletir os impactos dessa decisão em outro ângulo, como a falta de diversificação da economia no Iraque. Essa divisão levou ao modelo de Muhasasa Ta’ifia a ser adotado pelos EUA após o derrube do regime de Saddam Hussein, grupo que formou o primeiro corpo governamental do Iraque, o “Iraqui Governing Council” e todos os governos pós-eleitorais desde 2005. Hoje em dia o grupo é considerado uma barganha da elite que já causou diversas crises políticas e gerou espaço para corrupção. Sua mais recente foi entre 2021 e 2022, quando a elite passou mais de um ano em desavenças e impossibilitada de concordar em um novo governo para as eleições de outubro de 2021. Desde 2015, a população tem participado de protestos em massa exigindo os seus direitos e uma melhora na organização governamental, foi nas manifestações de 2019, que jovens civis fizeram protestos contra o governo, declarando sua infelicidade sobre a alienação provocada pela elite. Sendo assim, pôde-se perceber que a população anda insatisfeita com o modelo governamental, inserido em 2005, onde a elite não cumpre seus deveres, causando desemprego, má gestão econômica, serviços públicos fracos e outros.

A dependência da extração de petróleo 
A economia do Iraque, hodiernamente, depende fortemente do petróleo e se torna frágil por conta de tal dependência. Em 2020, 95% da receita federal do país foi formada pelas exportações de petróleo bruto, mostrando a falta de diversidade das atividades econômicas do país. Essa falta de diversidade se dá pela inatividade política, corrupção e pelo abuso por parte da elite, dos seus cargos oficiais, para agir em benefício de seus próprios interesses (8). Os impactos atuais são de “bloated public sector” que revela a falta de empregos disponíveis para alunos recém graduados em universidades, a instabilidade e falta de confiança no capital, o que leva o governo a ter dificuldades em pagar o salário de tal setor, e a extrema dependência na exportação de petróleo deixa a atual economia do Iraque, vulnerável às flutuações de mercado.

As minorias do Iraque
Durante a invasão estadunidense até 2017, o Estado Islâmico (9) atacou diversas minorias, no qual alguns foram caracterizados como genocídio, como é o caso dos ataques direcionados ao povo Yazidi em Sinjar. Sendo assim, desde 2003 as minorias do país foram deslocadas para o Curdistão Iraquiano, uma vez que era um território visto como mais seguro e tolerante, mas muitas vezes, fugiam do Iraque por completo. Em 2021, o governo iraquiano fez um acordo junto ao KRG (Kurdistan Regional Government) com o foco de minimizar as ameaças e normalizar a segurança em Sinjar, o que fez poucas famílias voltarem à região. Apesar da violência armada ter diminuído, o preconceito em questão da identidade religiosa das minorias continua alto, sendo assim, a maioria das famílias que sofreram agressões e ameaças não pretendem voltar à região em um futuro próximo, principalmente por já terem estabelecido condições de vida em outros locais.

Forças militares estadunidenses
No período de ascensão do EI em 2014 à 2017, a quantidade de forças armadas estadunidenses aumentou drasticamente com o propósito de combater o grupo extremista, porém em 2020 os Estados Unidos, retirou grande parte das suas forças militares instaladas no território iraquiano, restando 2500 militares no país. 

Conclusão 
A invasão dos Estados Unidos no Iraque em março de 2003 causou impactos irreversíveis no governo, na economia e na população do país invadido, sendo possível percebê-los atualmente e sua profundidade pela dificuldade do país de seguir em frente e contornar esses impactos. Acredita-se que os marcos da invasão estadunidense no Iraque, como a criação de um governo sem planejamento baseado em eventos futuros, a distribuição de cargos para a elite que levou ao aumento da corrupção e a provocação de milícias ao seu momento de ascensão, deixaram cicatrizes para sempre na história do invadido, mas que hoje, não as define. É preciso que o Iraque crie o seu próprio caminho e faça suas próprias marcas para que possam gerar um futuro melhor para seus cidadãos, que protestam centenas de vezes por um governo estável e qualidade de vida.






CITAÇÕES:

(1) A LEGITIMIDADE NO GOVERNO SADDAM HUSSEIN
By Thomas Jibrin, Marco Antônio, Meneses Silva Year: 2006 URL: https://repositorio.uniceub.br/jspui/bitstream/235/9872/1/9967421.pdf
(Tópico utilizado: “2.3: O Governo de Saddam Hussein”)

(2) Iraq - The UN embargo and oil-for-food program | Britannica. Disponível em:https://www.britannica.com/place/Iraq/The-UN-embargo-and-oil-for-food-program#ref793786

(3) Mais de 87% de habitantes já retornaram aos lares após libertação de Mossul | ONU News. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2018/07/1631912
ISIS, Estado Islâmico ou Daesh? Um grupo extremista, muitos nomes
By Anon Container: BBC News Brasil URL: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-42020312

(4) Nota: Apesar do Estado Islâmico ter sido um braço do grupo Al-Qaeda dirigido em 2013 por Abu Bakr al-Baghdadi, os grupos hoje, têm focos diferentes. Enquanto o Estado Islâmico é considerado um perigo para o Oriente Médio, principalmente no Iraque e na Síria, o Al-Qaeda é um grupo que foca em ameaçar os Estados Unidos e os seus aliados ocidentais. Apesar de ambos lutarem pelo poder no movimento jihadista, o Estado Islâmico foca ataca por meios de tomar territórios do Iraque e da Síria, e no geral, com um alvo focalizado nesses dois países, diferentemente do Al-Qaeda

(5) FSI | CISAC | MAPPING MILITANTS CISAC - MMP: Islamic State

(6) Entenda as diferenças e semelhanças entre Al-Qaeda e Estado Islâmico

Secretário dos EUA visita Iraque 20 anos após queda de Sadam Hussein e defente permanência de tropas. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2023/03/07/eua-fazem-primeira-visita-de-alto-escalao-a-iraque-20-apos-derrubar-saddam-hussein.ghtml

(7) Muqtada al-Sadr | Biography & Facts
By Anon Container: Encyclopedia Britannica URL: https://www.britannica.com/biography/Muqtada-al-Sadr

(8) Iraq in 2023: Challenges and prospects for peace and human security | SIPRI

(9) Nota: Durante a invasão estadunidense em 2003, o “Estado Islâmico” ainda era um braço de Al-Qaeda no Iraque, outro grupo terrorista que teve diversos líderes, inclusive Osama bin Laden. Refere-se como Estado Islâmico no texto pois os ataques duraram um grande período entre 2003, onde ainda eram um braço do Al-Qaeda, e durarante 2013-2017, quando o EI se tornou um grupo de extremistas separado do qual se originou.
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